segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

1°lugar no Prêmio 2016



1°lugar:

*Nome:Aparecida Gianello dos Santos.
*Crônica: FOME.
*Pseudônimo: CLARICE LIS.
*Cidade: Martinópolis-SP.
*Pontuação: 558.



FOME

           Ir para o ginásio significava para mim ficar livre da horrenda sopa de caneca servida no primário, ano após ano. Tinha gosto de sabão. O que eu não contava era que um dia essa coisa gosmenta pudesse me fazer querer voltar no tempo. Ainda me lembro do cheiro... O segundo a marcar minha infância depois das provas mimeografadas da professora Clélia.
          Os intervalos agora eram vazios, ironicamente, na proporção do meu estômago (passei sem saber que não davam merenda no quinto ano...). Eu perambulava pelo amplo pátio a fim de matar o tempo, já que não podia matar a própria fome, e ficava pensando no semblante pesado da velha merendeira me olhando com seus dentes faltantes e cabelos desgrenhados. Ah, como eu desejava vê-la ainda me servindo um pouco do seu caldeirão! Distraía-me com essas lembranças, contando os minutos para ouvir logo o sinal. Queria voltar para a sala e despistar os enxeridos colegas com suas perguntas: “Você não vai comer? ... Cadê sua lancheira? ... Não tem dinheiro?”. Juro. Qualquer hora meus olhos saltariam para cima daqueles sanduíches e doces e guaranás e ... Que ódio!
         Quanto menor era meu interesse pelos recreios, maior era meu desejo de sumir do mapa. O problema era que as dependências da escola não ofereciam lá muitas opções. Certa vez, tive a ideia de procurar a Direção e dizer que estava com alguma dor, o que não era nenhuma mentira, pois a fome me roía por dentro feito um bicho feroz. Pus-me a andar por um corredor largo e claro. Excessivamente claro para quem não queria ser vista. No meio do percurso, parei em frente a uma porta que estava entreaberta. Olhei pelo vão. Havia mesas e cadeiras, sofás e milhares de títulos dispostos em enormes prateleiras. Logo imaginei que aquele daria um ótimo esconderijo, aconchegante e convidativo. Na recepção, chamava a atenção um belo esboço de Lispector, a bibliotecária: cabelos brilhantes e bem penteados, roupas elegantes, ares de intelectual. Olhou-me fixo por alguns instantes, parecendo me ler. Deu de leve um sorriso, convidando-me a ficar. Bastou, para que eu esquecesse a tola ideia de pedir dispensa. Finalmente um pouco de paz, respirei aliviada. Pela primeira vez, na biblioteca, eu me esqueci completamente da fome... Foi quando passei a devorar livros.

(Aparecida Gianello)

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