quinta-feira, 30 de novembro de 2017

2°lugar do Prêmio 2017


2°lugar:
Roque Aloísio.
Título: O Apelido que ficou e marcou.
Pseudônimo: Pelé Branco.
Cidade: Santa Rosa-RS.
Pontuação: 397.



O APELIDO QUE FICOU E MARCOU

                Chegava o domingo, e lá íamos ao potreiro do Canísio, onde tínhamos feito o campo para nosso Clube de Futebol. Sim, potreiro, um espaço cercado por arame farpado para soltar algumas vacas, bois e bezerros que mantinham a grama aparada e sempre adubada com seus excrementos montinhos pretos que se tinha de driblar além dos adversários. Com sorte a bola podia aterrissar num desses quando descia do balão incauto dos menos habilidosos craques de pés descalços. Chuteiras só tinham os jogadores que conseguiam algum ganho melhor no trabalho na roça durante a semana. Os demais jogavam descalços o que era um problema no tempo das rosetas no meio da grama, entre outubro e janeiro.
                O campo tinha a ideia de oficial, com uma parte um tanto inclinada e outra bem mais plana, onde podia empossar água em dias de chuva mais forte. O fato é que qualquer temporalzinho não impedia que jogássemos. O arco de gol era feito de paus roliços tirados do mato e rede somente era colocada em jogos mais importantes. Geralmente dispúnhamos de uma bola nº 5 apenas, depois até tínhamos uma chamada de oficial para jogos de mais importância ou para torneios – esses eram eventos que reuniam times das localidades vizinhas que vinham quase sempre em caminhões abertos, acomodados na carroceria. Se a bola furava, entrava em ação seu Canísio para o conserto. Ela sempre dava um jeito para que o domingo não se perdesse. Quando digo domingo, entenda-se a tarde, pois, pela manhã, era compromisso o culto na capela da localidade, onde também já se combinava como seria a tarde e qual time poderia estar disputando um jogo conosco.
                Quando fizemos o campo, precisamos retirar carroçadas de pedras e tocos que tinha no potreiro. Tudo isso porque outro vizinho, que nos dera o potreiro dele para usar de campo, bem plano e sem pedras, vendeu a terra e o novo proprietária queria ninguém no seu espaço, ainda mais para a perdição de jogos de bola. Gastamos algumas tardes de várias semanas até que se podia, mal e precariamente arriscar jogar sem o risco de abrir ou quebrar algum dos dedos dos pés ou as solas dos mesmos ficarem furadas. O interessante é que mais acima, logo além do campo tinha uma elevação, digamos, um morro, incrustado de vários blocos de pedras grossas em que, em jogos contra outros clubes ou em torneios ficava uma parte da torcida. Era o único campo que tinha, assim, um estádio natural. A maior parte da torcida, porém, ficava no outro lado do campo, perto de um arvoredo onde construímos um galpão com um balcão para vender refrigerantes e cerveja. É bom lembrar que não havia energia elétrica, então, o Canísio levava, já de manhã algumas caixas de bebidas e as largava nas águas de um pequeno riacho que passava um pouco mais para o lado. Quem conseguia ter uns trocos não deixava de gastá-los para beber algum refresco depois da correria e para comemorar a vitória ou lamentar a derrota. Ah! Não tinha essa de menor não poder beber! Aliás, a lei era a boa conduta, não o que rezavam os papéis de Brasília. Se o padre não proibia na igreja, então podia.
                Era um tempo de muita camaradagem, parceria e solidariedade. Se alguém se machucava a ponto de não poder trabalhar, os colegas de jogo iam ajudar nos trabalhos da roça para não deixar de fazer uma plantação ou uma colheita no tempo certo. Sim, todos eram agricultores em pequena propriedades rurais de subsistência.
                Para ser jogador no time o necessário era querer e corresponder às expectativas do capitão que escalava quem participava nas disputas de torneios ou de amistosos, sendo que, nos domingos sem programa especial, todos jogavam em dois times escolhidos por dois dos que primeiro estavam no campo. Os timos podiam começar a jogar com cinco a seis em cada lado e serem completados na medida que mais interessados chegavam. Todos sabiam que eram os mais talentosos, os mais esforçados, os que menos cansavam e os sempre ou nunca reclamavam contra o juiz, que quase sempre era um primo meu, bem alto, que só ficava de goleiro ou de juiz, antes de sair para visitar a namorada, no fim de tarde, indo a uma localidade além da comunidade vizinha, diga-se de passagem, a pé.
                Um dia, este cronista sofreu um baque que se estendeu até o dia que foi embora para trabalhar na profissão de professor. O padre, irmão do Canísio, chegava no cimo do morro e viu que o este perna de pau conseguiu participar de um contra-ataque e ficar a partir de pouco depois do meio de campo com a bola e driblar dois adversários, além do goleiro e fazer um gol. Quando ele viu a arrancada, o padre começou a dar uma de narrador e gritar, no fim, goooool de Peléééé. Uma vez Pelé, fui Pelé até as pessoas esquecerem disso porque não estava mais tanto entre elas, mas não faz muito que estando de novo naquela capelinha, um senhor bem velhinho disse: “ôba, olha, o Pelé voltou!” O campo hoje é só um potreiro outra vez.

(Pseudônimo: Pelé Branco)

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