2°lugar:
Roque Aloísio.
Título: O Apelido que ficou e marcou.
Pseudônimo: Pelé Branco.
Cidade: Santa Rosa-RS.
Pontuação: 397.
O APELIDO QUE FICOU E
MARCOU
Chegava
o domingo, e lá íamos ao potreiro do Canísio, onde tínhamos feito o campo para
nosso Clube de Futebol. Sim, potreiro, um espaço cercado por arame farpado para
soltar algumas vacas, bois e bezerros que mantinham a grama aparada e sempre
adubada com seus excrementos montinhos pretos que se tinha de driblar além dos
adversários. Com sorte a bola podia aterrissar num desses quando descia do
balão incauto dos menos habilidosos craques de pés descalços. Chuteiras só
tinham os jogadores que conseguiam algum ganho melhor no trabalho na roça
durante a semana. Os demais jogavam descalços o que era um problema no tempo
das rosetas no meio da grama, entre outubro e janeiro.
O
campo tinha a ideia de oficial, com uma parte um tanto inclinada e outra bem
mais plana, onde podia empossar água em dias de chuva mais forte. O fato é que
qualquer temporalzinho não impedia que jogássemos. O arco de gol era feito de
paus roliços tirados do mato e rede somente era colocada em jogos mais
importantes. Geralmente dispúnhamos de uma bola nº 5 apenas, depois até
tínhamos uma chamada de oficial para jogos de mais importância ou para torneios
– esses eram eventos que reuniam times das localidades vizinhas que vinham
quase sempre em caminhões abertos, acomodados na carroceria. Se a bola furava,
entrava em ação seu Canísio para o conserto. Ela sempre dava um jeito para que
o domingo não se perdesse. Quando digo domingo, entenda-se a tarde, pois, pela
manhã, era compromisso o culto na capela da localidade, onde também já se
combinava como seria a tarde e qual time poderia estar disputando um jogo
conosco.
Quando
fizemos o campo, precisamos retirar carroçadas de pedras e tocos que tinha no
potreiro. Tudo isso porque outro vizinho, que nos dera o potreiro dele para
usar de campo, bem plano e sem pedras, vendeu a terra e o novo proprietária
queria ninguém no seu espaço, ainda mais para a perdição de jogos de bola.
Gastamos algumas tardes de várias semanas até que se podia, mal e precariamente
arriscar jogar sem o risco de abrir ou quebrar algum dos dedos dos pés ou as
solas dos mesmos ficarem furadas. O interessante é que mais acima, logo além do
campo tinha uma elevação, digamos, um morro, incrustado de vários blocos de
pedras grossas em que, em jogos contra outros clubes ou em torneios ficava uma
parte da torcida. Era o único campo que tinha, assim, um estádio natural. A
maior parte da torcida, porém, ficava no outro lado do campo, perto de um
arvoredo onde construímos um galpão com um balcão para vender refrigerantes e
cerveja. É bom lembrar que não havia energia elétrica, então, o Canísio levava,
já de manhã algumas caixas de bebidas e as largava nas águas de um pequeno
riacho que passava um pouco mais para o lado. Quem conseguia ter uns trocos não
deixava de gastá-los para beber algum refresco depois da correria e para
comemorar a vitória ou lamentar a derrota. Ah! Não tinha essa de menor não
poder beber! Aliás, a lei era a boa conduta, não o que rezavam os papéis de
Brasília. Se o padre não proibia na igreja, então podia.
Era
um tempo de muita camaradagem, parceria e solidariedade. Se alguém se machucava
a ponto de não poder trabalhar, os colegas de jogo iam ajudar nos trabalhos da
roça para não deixar de fazer uma plantação ou uma colheita no tempo certo.
Sim, todos eram agricultores em pequena propriedades rurais de subsistência.
Para
ser jogador no time o necessário era querer e corresponder às expectativas do
capitão que escalava quem participava nas disputas de torneios ou de amistosos,
sendo que, nos domingos sem programa especial, todos jogavam em dois times
escolhidos por dois dos que primeiro estavam no campo. Os timos podiam começar
a jogar com cinco a seis em cada lado e serem completados na medida que mais
interessados chegavam. Todos sabiam que eram os mais talentosos, os mais
esforçados, os que menos cansavam e os sempre ou nunca reclamavam contra o
juiz, que quase sempre era um primo meu, bem alto, que só ficava de goleiro ou
de juiz, antes de sair para visitar a namorada, no fim de tarde, indo a uma
localidade além da comunidade vizinha, diga-se de passagem, a pé.
Um
dia, este cronista sofreu um baque que se estendeu até o dia que foi embora
para trabalhar na profissão de professor. O padre, irmão do Canísio, chegava no
cimo do morro e viu que o este perna de pau conseguiu participar de um contra-ataque
e ficar a partir de pouco depois do meio de campo com a bola e driblar dois
adversários, além do goleiro e fazer um gol. Quando ele viu a arrancada, o
padre começou a dar uma de narrador e gritar, no fim, goooool de Peléééé. Uma
vez Pelé, fui Pelé até as pessoas esquecerem disso porque não estava mais tanto
entre elas, mas não faz muito que estando de novo naquela capelinha, um senhor
bem velhinho disse: “ôba, olha, o Pelé voltou!” O campo hoje é só um potreiro
outra vez.
(Pseudônimo: Pelé Branco)
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