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lugar no Prêmio Radiotelegrafista Amaro Pereira de Crônica
Nome: Denivaldo Piaia.
Cidade que representa: Campinas/SP.
Pseudônimo: Inéd.
Crônica: O dia em que Deus acordou inspirado.
O dia em que Deus acordou inspirado
Houve sim um dia em que
Deus acordou inspirado. Tudo bem que Deus está sempre inspirado; como seria se
não fosse assim? Mas naquele dia foi diferente. Ele estava realmente muito
inspirado. Sentiu uma vontade imensa de fazer algo novo, grandioso,
sensacional. Até parecia que não havia sido assim o tempo todo. Mas Ele queria
algo para não passar em branco pela terra, pelo universo, pelos homens. Afinal,
estava num bom humor incontido. Discreto, mas incontido.
Pensou numa grande
obra, talvez numa montanha maravilhosa que pudesse ser vista por todos, com
flores e árvores exuberantes, com uma simetria perfeita, de forma que nenhum
gênio da pintura encontrasse qualquer defeito, por menor que fosse, mas... -
Não... Certamente isso já foi feito em algum canto esquecido do tempo, antes de
ser destruído pela expansão imobiliária.
Quem sabe um mar
quebrando calmamente numa ilha... -
Não, já fiz tanto disso por aí! – lembrou Ele.
E um céu todinho azul,
passando para o carmim lá no horizonte, enquanto o sol... – Besteira, isso
acontece todos os dias e ninguém dá a menor atenção. –murmurou.
Já sei! – animou-se. – Um ser
humano perfeito, sem qualquer traço de egoísmo, sem... Peraí, pô! Isso eu to
cansado de fazer! As pessoas já nascem todas, de certa forma, perfeitas, até
mesmo aquelas que se julgam deficientes. A verdadeira imperfeição vem depois, e
aí já não é comigo. Ainda bem que inventei o livre arbítrio pra ninguém
reclamar.
Achou graça da situação
e deu uma sonora gargalhada, logo abafada por alvas mãos. Afinal, Deus não
poderia sair gargalhando por aí. Já pensou como se sentiriam aqueles que
acreditam num Deus severo e vingativo? Seria uma grande decepção para eles.
Possivelmente até pensariam se tratar de um impostor. “Onde já se viu um
Deus que ri e se diverte!” –exclamariam. “Não, não pode. Deus é
perfeito”. Como se demonstrar felicidade fosse pecado. Talvez os artistas
tenham a maior culpa por esse pensamento. Alguém aí já viu um santo, um Cristo
ou até mesmo um Deus retratado com expressão alegre? Fica a impressão que todos
eles apenas sofreram durante todos os seus dias, sem nenhum momento de alegria,
de satisfação pela vida. Talvez seja por isso que muita gente tenha até certo
medo de ser bom. Parece que para ser boa, a pessoa tem que sofrer, que é
impossível ser bom sem sofrimento, sem dor, sem humilhação. Olhe para as
expressões dos santos e veja se não é verdade.
Mas voltando ao Deus
inspirado, lá estava Ele pensando com seus botões, que não eram poucos naquele
roupão alvo e longo. Sem conseguir se definir por algo que O contentasse, batia
compassadamente com a régua sobre a escrivaninha, concentrando-se em
pensamentos vagos, entrando num estado de semi cochilo profundamente agradável.
Talvez reflexo do cansaço.
Pouco tempo depois o
cochilo de Deus virou um pesado sono. Roncando e babando sobre o braço,
debruçado em sua escrivaninha, tirava o sono dos anjos. E com isso o mundo
entrou em estado de graça. Por alguns instantes a natureza silenciou, os mares
se acalmaram, tempestades deram pausa, vulcões, furacões, ciclones, tudo
experimentou uma calma nunca vista. Só os homens, sua mais perfeita criação,
não deram a menor importância ao momento, enquanto a vida celebrava a
inspiração divina. E foi nesse clima celestial que Deus teve um sonho. Não um
pesadelo, não um sonho desconexo, mas um sonho que respondeu aos seus anseios
e, finalmente, num brado de alegria despertou.
- Agora sim! Gritou enquanto enxugava a
baba nas longas e largas mangas do roupão. – Finalmente encontrei a
resposta! Agora sim vou fazer algo grandioso para ficar na primeira página de
meu portifólio.
Sem notar a natureza
que voltava ao seu ritmo normal, empolgado pela inspiração que Lhe foi
concedida em sonho, o Criador lançou mãos à obra imediatamente, dando o melhor
de Si na sua mais nova e perfeita criação. E assim Deus começou, inspirada e
lentamente, a elaborar cada um dos meus amigos.
Pseudônimo: Inéd.
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