5°
lugar no Prêmio Radiotelegrafista Amaro Pereira de Crônica
Nome: Wellington de Sousa Oliveira.
Cidade que representa: Cabo Frio/RJ.
Pseudônimo: Daniel Davis.
Crônica: Na Parede.
NA PAREDE
Não
há nada de excitante, novo ou desafiador no trabalho de varrer ruas, manter o
patrimônio público limpo. Para mim nunca houve durante todos os meus anos
executando tal serviço.
Naquela
tarde quente eu ofegava enquanto varria a praça, mais precisamente atrás dos
banheiros públicos. Eu estava estafada. Não era para menos. Eu, uma mulher na
casa dos quarenta andando para baixo e para cima na cidade escaldante
movimentando uma vassoura... Já não dava mais pra mim. Mas eu me mantinha
firme.
Eu
tinha quase todo o trabalho terminado por ali quando as frases escritas com canetinha
na parede branca dos fundos do banheiro roubaram a minha atenção.
A
frase escrita em azul dizia “Mulheres são o umbigo do mundo” e logo abaixo a
outra frase com escrita em rosa e com grafia diferente dizia “E aposto que você
não tem nenhum umbigo”.
Eu
ri baixo e continuei varrendo com essa mulher morena e muito alta se aproximou
e cruzando os braços se apoiou contra a parede.
“Precisa
de alguma informação, dona?” eu questionei.
“Não
preciso de nada. Só da espera. Vou ficar esperando aqui até que a atual esposa
do meu ex-marido passe e vou dar uns tiros na cara dela’.
Eu
engasguei, paralisei com aquilo que eu ouvi. Pelo resto do dia as minhas duas
mais importantes decisões foram ficar longe da mulher que agora me assustava e
não tentar apagar as frases que vandalizavam a externa parede branca do
banheiro... Porque me faziam rir.
Na
tarde seguinte eu me aproximei curiosa da mesma parede para descobrir que a
troca de frases havia prosseguido. A nova frase em azul dizia “E são essas
atitudes que mostram que eu estou certo” e a frase abaixo em rosa dizia “Boa
sorte pra você sendo solteiro pro resto da vida ao se comportar assim”.
A
mulher alta e misteriosa retornou também. Eu não pude me conter. Eu me
aproximei com perguntas então e ela não teve problemas em responder. Ela disse
que era apenas uma possibilidade que a esposa do seu ex-marido passasse ali
pela praça em alguma tarde e quando acontecesse ela recolheria a arma em sua
bolsa e executaria seu plano.
Eu
estava apavorada e de repente não era só por saber dos planos horríveis da
mulher. Era também a discussão que crescia em escrita na parede, era a
violência do mundo ao meu redor em geral. Eu já estava esgotada de todo esse
mal, mas o que eu podia fazer? Era um oceano de gente promovendo briga e eu era
uma gota nesse infinito querendo a paz... Então eu rezava. Eu esperava e
solitariamente tentava manifestar o melhor.
Aquela
mulher passou a esperar sua rival ali na praça todos os dias sem exceção, por
vários dias. As frases escritas na parede, aquele diálogo entre dois estranhos
ia aumentando.
“Você
me tira do sério, garoto! Tão, tão ridículo!” estava escrito em rosa.
“Por
que não prova de uma vez que estou errado?” estava escrito em azul.
Naquela
tarde de sexta-feira eu avistei a bonita jovem baixinha se aproximando da
parede do banheiro. Ela tirou a tampa da canetinha cor de rosa. Segundos
depois, antes que ela pudesse começar a escrever, o jovem loiro veio na outra
direção tirando a tampa da canetinha azul em sua mão. Eles estavam um ao lado
do outro em frente à parede. Assustados se olharam. A mulher alta com a arma
dentro de sua bolsa já estava ali e assim como eu observava.
Os
jovens encararam suas frases, encararam o sorriso um no outro que agora se
desenhava... E se beijaram, se abraçaram.
Mas
o que eu via agora? Lá vinha a mulher loira com vestido curto de seda e colar
de pérolas. Era a rival da mulher alta.
O
chão sumiu debaixo dos meus pés. A mulher alta já tinha a avistado também. Eu
sabia que ela tiraria a arma da bolsa e atiraria naquele instante como havia
prometido. Seria agora, agora!
Mas
a mulher foi embora com sua arma. Partiu na direção oposta da sua rival. Ela
sorria. Sorria porque ao se afastar ainda olhava algumas vezes para trás e
espiava o jovem casal que se beijava.
Eu
finalmente liberei o ar preso no meu peito apreensivo e não parava de pensar.
Eu era só uma gotinha que queria a paz, mas os jovens também se tornaram duas
gotinhas da paz e ainda conseguiram transformar a mulher com sua arma em uma
gotinha da paz. Agora éramos quatro
gotinhas querendo paz em meio ao oceano cheio de ira. Parece pouco?
Não
pra mim que antes achava que era apenas eu.
Pseudônimo: Daniel Davis.
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