sexta-feira, 6 de março de 2015

4° lugar no Prêmio Radiotelegrafista Amaro Pereira de Crônica


4° lugar no Prêmio Radiotelegrafista Amaro Pereira de Crônica
Nome: João Amilcar Valle Aboud.
Cidade que representa: Brasília/DF.
Pseudônimo: Arturo.
Crônica: Meu filho voltou.


MEU FILHO VOLTOU

            A campainha tocou, abri a porta e vi o meu filho que voltou da prisão. Ele parecia ter voltado de uma guerra. Eu sei que é meu filho esse homem magro e triste, com olhos de velho, só por tê-lo visto nascer, crescer e se perder por ai. Abracei o seu corpo querendo abraçar a sua alma e me espetando nos seus ossos e na sua tristeza. Disse bem vindo pensando meu Deus.      
            Ele esperou que eu o liberasse do abraço e caminhou até o sofá da sala, ante o qual parou. Eu lhe disse que podia se sentar e ele se sentou lentamente, apoiando as costas, deixando as mãos sobre os joelhos e a cabeça baixa. Sentei na poltrona em frente, tentando expressar com o meu olhar a compreensão para com tudo o que ele tivesse para me dizer, como fazia quando ele era menino e chegava a casa com as roupas rasgadas ou um boletim com notas baixas.
            Alguns minutos gigantescos se passaram até ele começar a me contar o que acontecera enquanto esteve preso, entremeando enxurradas de palavras com silêncios repentinos. O que ele me relatou foi inaceitável, quase inacreditável. As suas certezas, as suas ilusões, a sua inocência, não voltaram com ele do presídio.
            Enquanto ele falava eu ia pensando na guerra que parece estar acontecendo lá fora, em como tantos jovens se armam, todos os dias, como se fossem para batalhas sem fim e saem das nossas casas para assaltarem ou venderem drogas para outros jovens não menos enganados, igualmente perdidos. Às vezes parece que cada dia é uma batalha com balas trocadas e perdidas entre a polícia e os bandidos, gente enganando aos outros e deixando a moral e a decência de lado. Mas não posso permitir que essa sensação de impotência e perdição me domine. Preciso resistir, por mim e por meu filho. A paz nas ruas depende da paz nos nossos íntimos. A guerra acaba quando a tiramos do coração.
            - Quantas vezes, pai, eu queria você lá comigo, nem que fosse só para passar a mão nos meus cabelos, dizer que daríamos um jeito, que estava tudo bem. Ai, eu fechava um pouquinho os olhos e imaginava como seria voltar para casa, abraçar você e contar o que tinha acontecido. Foi tão difícil pai, tão difícil. Mas eu consegui. Eu consegui. Eu estou aqui pai. E o seu abraço foi tão bom... Deus!
            - Sim filho, você conseguiu. Está aqui agora, na nossa casa. O seu quarto está como você o deixou, lhe esperando. Só arrumei e limpei um pouco. O que pretende fazer?
            - Fazer o que pai? Este mundo é assim mesmo. Não tem jeito, não tem outro modo de viver. Não tem trabalho, só riqueza para roubar e droga para vender. Eu queria que fosse diferente. Eu quero ser diferente pai. Me ajuda?
- Filho, o mundo não é, não foi, nem será mais do que terra, água e ar. Nós o fazemos melhor ou pior de se viver, nós escolhemos o que plantaremos e o que colheremos. Se existe uma guerra acontecendo lá fora é por termos deixado de acreditar na paz e na nossa capacidade de resolvermos os problemas com respeito e honestidade, estudando e trabalhando para ter as coisas. Eu vou lhe ajudar, é claro.
             Conversamos ainda por quase uma hora, até que ele se calou e começou a chorar. Eu me levantei, atravessei a sala como se os meus pés pesassem centenas de quilos, sentei ao seu lado, passei um braço por sobre os seus ombros e chorei também. Ficamos assim por um período inestimável.
            As lágrimas cessaram. Fui até a cozinha buscar café e biscoitos. Quando retornei o encontrei em pé, imóvel, diante da porta ainda aberta, os olhos fechados e os braços apertando o peito. Lá fora o caminho do longe. Ainda podia vê-lo passando pelo portal, me sorrindo e dizendo que voltava logo, para sumir por tanto tempo, cada dia um ano, cada noite um século, até retornar assim.
            Senti dor. Senti ódio. Senti medo. Fechei a porta rápido, com força, trancando-a e escorando-me a ela. Vi o meu filho que voltou da guerra. Outra vez ela não o levaria.
            No dia seguinte começamos a percorrer as escolas próximas, pedindo autorizações aos diretores e professores para conversarmos com os alunos sobre a importância de dizermos não à violência, aos roubos e às drogas. Eu falava da terrível saudade que sofri sem o meu filho e ele relatava os horrores que passara na prisão.
            Isso foi há um ano. Continuamos com as palestras nas escolas. Meu filho arranjou um emprego e está estudando a noite. Começou a namorar com uma colega de trabalho e estão falando em casamento e filhos. Quem diria, eu vovô?

Pseudônimo: Arturo.

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