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lugar no Prêmio Radiotelegrafista Amaro Pereira de Crônica
Nome: João Amilcar Valle Aboud.
Cidade que representa: Brasília/DF.
Pseudônimo: Arturo.
Crônica: Meu filho voltou.
MEU FILHO VOLTOU
A campainha tocou, abri a porta e vi
o meu filho que voltou da prisão. Ele parecia ter voltado de uma guerra. Eu sei
que é meu filho esse homem magro e triste, com olhos de velho, só por tê-lo
visto nascer, crescer e se perder por ai. Abracei o seu corpo querendo abraçar
a sua alma e me espetando nos seus ossos e na sua tristeza. Disse bem vindo
pensando meu Deus.
Ele esperou que eu o liberasse do
abraço e caminhou até o sofá da sala, ante o qual parou. Eu lhe disse que podia
se sentar e ele se sentou lentamente, apoiando as costas, deixando as mãos
sobre os joelhos e a cabeça baixa. Sentei na poltrona em frente, tentando
expressar com o meu olhar a compreensão para com tudo o que ele tivesse para me
dizer, como fazia quando ele era menino e chegava a casa com as roupas rasgadas
ou um boletim com notas baixas.
Alguns minutos gigantescos se
passaram até ele começar a me contar o que acontecera enquanto esteve preso,
entremeando enxurradas de palavras com silêncios repentinos. O que ele me
relatou foi inaceitável, quase inacreditável. As suas certezas, as suas
ilusões, a sua inocência, não voltaram com ele do presídio.
Enquanto ele falava eu ia pensando
na guerra que parece estar acontecendo lá fora, em como tantos jovens se armam,
todos os dias, como se fossem para batalhas sem fim e saem das nossas casas
para assaltarem ou venderem drogas para outros jovens não menos enganados,
igualmente perdidos. Às vezes parece que cada dia é uma batalha com balas
trocadas e perdidas entre a polícia e os bandidos, gente enganando aos outros e
deixando a moral e a decência de lado. Mas não posso permitir que essa sensação
de impotência e perdição me domine. Preciso resistir, por mim e por meu filho.
A paz nas ruas depende da paz nos nossos íntimos. A guerra acaba quando a
tiramos do coração.
- Quantas vezes, pai, eu queria você
lá comigo, nem que fosse só para passar a mão nos meus cabelos, dizer que
daríamos um jeito, que estava tudo bem. Ai, eu fechava um pouquinho os olhos e
imaginava como seria voltar para casa, abraçar você e contar o que tinha
acontecido. Foi tão difícil pai, tão difícil. Mas eu consegui. Eu consegui. Eu
estou aqui pai. E o seu abraço foi tão bom... Deus!
-
Sim filho, você conseguiu. Está aqui agora, na nossa casa. O seu quarto está
como você o deixou, lhe esperando. Só arrumei e limpei um pouco. O que pretende
fazer?
-
Fazer o que pai? Este mundo é assim mesmo. Não tem jeito, não tem outro modo de
viver. Não tem trabalho, só riqueza para roubar e droga para vender. Eu queria
que fosse diferente. Eu quero ser diferente pai. Me ajuda?
-
Filho, o mundo não é, não foi, nem será mais do que terra, água e ar. Nós o
fazemos melhor ou pior de se viver, nós escolhemos o que plantaremos e o que
colheremos. Se existe uma guerra acontecendo lá fora é por termos deixado de
acreditar na paz e na nossa capacidade de resolvermos os problemas com respeito
e honestidade, estudando e trabalhando para ter as coisas. Eu vou lhe ajudar, é
claro.
Conversamos ainda por quase uma hora, até que
ele se calou e começou a chorar. Eu me levantei, atravessei a sala como se os
meus pés pesassem centenas de quilos, sentei ao seu lado, passei um braço por
sobre os seus ombros e chorei também. Ficamos assim por um período inestimável.
As lágrimas cessaram. Fui até a
cozinha buscar café e biscoitos. Quando retornei o encontrei em pé, imóvel,
diante da porta ainda aberta, os olhos fechados e os braços apertando o peito.
Lá fora o caminho do longe. Ainda podia vê-lo passando pelo portal, me sorrindo
e dizendo que voltava logo, para sumir por tanto tempo, cada dia um ano, cada
noite um século, até retornar assim.
Senti dor. Senti ódio. Senti medo.
Fechei a porta rápido, com força, trancando-a e escorando-me a ela. Vi o meu
filho que voltou da guerra. Outra vez ela não o levaria.
No dia seguinte começamos a
percorrer as escolas próximas, pedindo autorizações aos diretores e professores
para conversarmos com os alunos sobre a importância de dizermos não à
violência, aos roubos e às drogas. Eu falava da terrível saudade que sofri sem
o meu filho e ele relatava os horrores que passara na prisão.
Isso foi há um ano. Continuamos com
as palestras nas escolas. Meu filho arranjou um emprego e está estudando a
noite. Começou a namorar com uma colega de trabalho e
estão falando em casamento e filhos. Quem diria, eu vovô?
Pseudônimo: Arturo.
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